06/03/2014

Jornalista e jornalismo brasileiro

Do livro "A miséria do jornalismo brasileiro", de Juremir Machado

"A escola de frankfurt permanecerá um marco na análise dos meios de comunicação de massa. (...) Deve-se, entretanto, salientar que a crítica frankfurtiana era elitista e messiânica. Os frankfutianos de hoje continuam a pensar que tudo se resume a eliminar o mercado e a entrar numa lógica socialista (...) para que o problema dos meios de comunicação de massa seja resolvido. A História mostrou que não é bem assim. Sempre, claro pode-se dizer que o socialismo nunca existiu. A ânsia reguladora dos marxistas não parece, de toda maneira, indicar que eles seriam capazes de implantar a real liberdade de informação."
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"Os frankfurtianos raciocinam por oposição binária: mercado/não-mercado. Mercado, com frequência, vira sinônimo de manipulação e de conspiração. Mas o mercado é também pluralismo, diversidade e antagonismo." (...) "A maioria dos editores brasileiros certamente acharia "chato" um texto de 200 centímetros sobre sociologia da comunicação. Em contrapartida, entregaria com facilidade quatro ou cinco páginas para uma nova gravidez da Xuxa. Nem precisa o patrão mandar."
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"As compilações marxistas de Eric Hobsbawm, publicadas pela Companhia das Letras, vendem. O petismo chique consome certos autores, a Cia das Letras os publica. A Folha de S. Paulo repercute-os. É difícil saber quando o esquerdista ilustrado compra um livro por interesse próprio ou porque a Cia das Letras publicou ou a Folha de S. Paulo comentou. Crítico severo da influência da mídia e do mercado, o esquerdista ilustrado orgulha-se de passear com o "Mais"! embaixo do braço e de comprar todos os livros que a Cia das Letras edita e a Folha classifica como imperdíveis. (...) A Folha prospera,o mercado fatura. (...) Nada mais fácil do que cativar como consumidor, com uma revista 'cult' inimiga do mercado, um esquerdista esclarecido, para o qual o mercado representa a encarnação do mal."
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"O esquerdista ilustrado, entretanto, acha que a mídia pode tudo. Não é verdade. Muitas vezes, os densos elogios da imprensa a certos cineastas não salvam seus filmes do fracasso. O mesmo vale para os escritores. Na política, Leonel Brizola ganhou da Rede Globo duas vezes no Rio de Janeiro. O PT já bateu a RBS três vezes em Porto Alegre e uma no Rio Grande do Sul (prefeito e governador) (...) A limitação do poder da mídia depende da capacidade de estruturação política dos atores sociais. (...) Assim, a crítica da mídia não pode converter-se em "diabolização" da imprensa e em desculpa para as falhas internas de estruturação política das correntes de esquerda."
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"Derradeiro positivista moderno, o aluno-modelo (de jornalismo) acredita no progresso, na infalibilidade da ciência e no valor da padronização. Tanto quanto o esquerdista esclarecido, crê na verdade científica. Chegará o dia em que apenas a astrologia e o marxismo postularão o caráter científico de suas investigações."
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"Nada provoca mais medo no Brasil, além da polícia, do que a mídia, ao menos entre os que podem ser atingidos por ela: políticos, intelectuais, escritores. Um autor criticado deve ser tolerante e aceitar as observações feitas a respeito da sua obra. Com razão. Dificilmente a imprensa toma para si o mesmo parâmetro. Criticado, um veículo joga ao ostracismo o desvairado que se atreveu a romper o silêncio"
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"A opinião, ensina-se ao principiante (de jornalismo), tem o seu espaço próprio, as colunas destinadas pelo patrão aos que professam a mesma ideologia que ele ou produzem dinheiro, embora com ideias opostas às dele."
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"A opinião deve ficar a cargo dos eleitos. Não está em jogo a consistência da opinião de cada um, mas o fato de que apenas alguns têm direito a opinar, mesmo de forma disparatada, se for rentável ou fortalecer a ideologia do rei."
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"Por um lado, os jornais querem parecer-se com a televisão, suposto universo da imagem que não mente, seduz e dispensa conteúdo. Assim, investem nos gráficos, nas fotos gigantescas e em toda sorte de recursos gráficos rebarbativos. Para contrabalançar, de vez em quando, um profissional da opinião escreve um texto para denunciar a morte do livro em função do avanço da informática."
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"Falcão comenta futebol por ser uma imagem de marca. Ganha para dizer o que milhares de pessoas poderiam dizer da mesma maneira. Jornalismo tem pouco a ver com competência e muito a ver com cartão de visita."
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"A sociologia da comunicação expulsou o mito da objetividade pela porta da frente. Pragmático, ele voltou pela janela. (...) A esquerda adora essa capacidade de opinião isenta. Em 1991,o sindicato dos jornalistas do RS condecorou Luis Fernando Veríssimo, profissional da opinião, como "prêmio isenção", por seus comentários sobre a guerra do Golfo. Veríssimo era isento porque tinha a mesma opinião do pessoal do sindicato."
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"Isenção, portanto, é o nome que se dá à opinião que recebe o apoio de um grupo em condição de fazer valer suas ideias em determinada situação."
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"Os latifúndios esportivos das emissoras de rádio e de televisão, assim como dos jornais, representam a utilidade do inútil. Preenchem o tempo vazio da humanidade. Afinal, e ainda bem, nem todos podem ser intelectuais ou artistas. Extraordinária opção: o tédio ou a vulgaridade. Sem o espetáculo, a melancolia."
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"A mídia explora o mal para o bem dos seus consumidores. O bem cheira mal e entendia. O mal revigora e desperta interesse. Por isso, o 'moralismo' é fundamental na imprensa. A diferença entre bem e mal deve ser nítida para que o cliente não fique insatisfeito."
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"A objetividade é uma gangorra que sobe e desce com o tempo, com a filosofia do patrão e com as modas profissionais. A única moda que nunca passa é a do arrivismo. Mergulhado numa carreira, o jornalista vive para o mercado coberto com o manto cômico de missionário da informação e da Verdade."
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"Nada mais radical do que um homem sensato ou um liberal convicto. Nada mais cínico do que um jornalista missionário. Radical, para a mídia brasileira, são sempre o MST e certos setores à esquerda do Partido dos Trabalhadores. Nunca se fala da extrema radicalidade dos que acreditam piamente na força milagrosa da "mão invisível"do mercado. (...) A lógica dos 'fait divers' implica em diabolizar o adversário, relativizar os desmandos dos aliados e faturar com tudo o que não produza fricção."
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"A assexuada e debiloide Xuxa anunciou a sua gravidez no programa do Faustão. O Brasil midiático inclinou-se diante da fabulosa novidade. (...) Dificilmente outro tema poderia ter tanta importância."
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"Os festivais de cinema, mesmo os mais conhecidos e importantes (Cannes, Berlim, Veneza), "convidam" jornalistas para as suas edições anuais. Por quê? Precisam estimular a imprensa a dar-lhes cobertura. Apenas os esportes de massa, como o futebol, podem viver descansados. A lógica da cobertura futebolística contraria todas as regras da "seriedade" jornalística. Segunda-feira: Romário lesionado. Terça-feira: Romário tem ligeira melhora. Quarta: Romário pode ser surpresa no clássico".....
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"Nas últimas décadas, o universo midiático acentuou a estética da aberração, representada pelo privilegio dado ao pitoresco e aos ’faits divers’. Estes podem ser vistos como o primeiro nível da deformidade. De tanto realçar o caráter diferencial do excêntrico, do extravagante e do banal transformado em novidade, a mídia gerou as condições para a hegemonia do vulgar."
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"Assim como Paulo Coelho, compositor popular convertido em escritor contra a  mídia, até esta se dobrar, encarna a própria imagem literária da imprensa contemporânea (fácil, supersticioso, consolador), Faustão, Gugu e Ratinho representam o principal elemento estrutural da mídia de hoje: o populismo."
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"O papa (João Paulo II) brilhou em Cuba até o momento em que o mundo descobriu o caso "Clinton-Lewinsky". A imprensa norte-americana até então interessada nos sermões do Santo Padre contra o Condutor do Povo, desertou da ilha para mergulhar nos mistérios das relações amorosas do presidente dos Estados Unidos com uma ex-estagiária da Casa Branca."

"O discurso do papa contra a política de Castro não tinha a força da imagem de Mônica abraçando Clinton com devoção."
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"O politicamente correto representa para a imprensa um manancial inesgotável de sensações. A partir do momento que um padrão comportamental é estabelecido, instala-se a caça às bruxas e aos desvios de conduta. A mídia assume, nesse contexto, o papel de fiscal, de juiz, de delator e, acima de tudo, de administrador das práticas de cada indivíduo."
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"Existem jornais, como a própria Folha de São Paulo, que mesclam os inconciliáveis para melhor atingir objetivos ambivalentes.
Liberal no primeiro caderno, dividida entre marxismo e neoliberalismo no terreno particular dos colunistas, a Folha de São Paulo é franca e radicalmente esquerdista no suplemento dominical de cultural. No "Mais!", o cliente é rei, pois se trata de um caderno para a intelectualidade universitária, predominantemente esquerdista."
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